Paciente: Sexo feminino. Vinte anos.
Estresse pós-traumático. Alucinações visuais.
Avistamentos de um vulto, o "homem grande".
Cartas de tarô, de origem desconhecida.
Muda.
Mora só.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Kassandra vira Graphic Novel!




Estamos devendo algumas novidades, certo? Não estamos mais: em breve, lançaremos uma versão em HQ de Kassandra! Sim, nossa heroína muda saiu da tela direto para uma graphic novel com arte e texto assinados pelo roteirista do curta, Roger Monteiro.

A ideia vem sendo gestada e desenvolvida desde o ano passado. Tendo como base os planos do filme, Roger (que também é artista gráfico e designer) começou a desenvolver o projeto de forma autônoma e independente. Ele mesmo admite que foi uma forma de se manter um pouco mais ligado à personagem. "É fácil se apegar a ela, principalmente quando você tem uma predisposição a se interessar por garotas doidas e malvadas em preto e branco", diz.  

Kassandra, A Graphic Novel será um pouco diferente da versão do filme, já que ela tenta recontar a história sob o ponto de vista da personagem. A distinção começa pelo visual: o curta é em preto-e-branco, mas a HQ terá cores. "Não cores realistas, mas algo de sonho, quase lisérgico", comenta Roger. Além disso, Kassandra também agora se expressa verbalmente, pelo menos em texto. "Na verdade, temos acesso aos pensamentos da personagem, que são apresentados em versos, rimados, que fazem com que eles gerem um fluxo de consciência". 

O trabalho de transformar os takes do filme em imagens com grafismos e de escrever o texto rimado começou em dezembro de 2013. Em breve, a HQ terá um lançamento oficial em versão digital e terá distribuição online. Aguarde a data!

Veja algumas das artes da HQ e, mais abaixo, uma entrevista com Roger Monteiro (com uma informação crucial na última resposta):



 


Roger, por que fazer uma HQ de Kassandra?

Roger Monteiro: À medida em que foram acontecendo exibições públicas do filme, eu comecei a criar alguns splashes gráficos para divulgá-las, sobretudo na minha página pessoal do Facebook e, como se tratava de um material não-oficial de divulgação de Kassandra, tomei uma série de liberdades estéticas e reinterpretei alguns dos seus elementos. Primeiramente, me mantive no preto e branco, depois, passei a usar algumas pinceladas de vermelho - o que aumentou a carga dramática dessas imagens - e, por último, por ocasião da sessão dupla com A Princesa, na Feira do Livro de 2013, experimentei trazer para essas peças alguma cor. Não cores realistas, mas algo de sonho, quase lisérgico, algo que conflitasse um pouco com a fotografia realista do filme.

E gostei tanto do resultado que passei a me perguntar se esse tipo de trabalho cromático não poderia ser, de alguma forma, aplicado ao próprio filme. É claro que, àquela altura das coisas, isso não seria possível, então resolvi produzir um suporte próprio para explorar essa estética, e nasceu a ideia da história em quadrinhos.

Explique como tecnicamente a HQ está sendo feita: como transformar o filme em imagens e texto.

Roger: Os quadrinhos estão sendo editados sobre frames do próprio filme. Comecei isolando 325 frames do corte definitivo de Kassandra, de modo a ter o que seria o esqueleto estático da narrativa em movimento. A partir daí, se tornou uma questão de editar esses frames graficamente para consolidar uma nova estética em que a narrativa continuasse funcionando. Se no filme, conseguimos alcançar a claustrofobia e a angústia que queríamos transmitir através da ausência de fala e da música, nas páginas dos quadrinhos - silenciosos por natureza - eu precisaria de um outro elemento para cumprir essa função, e, por isso, a Kassandra do quadrinho “fala”. Na verdade, temos acesso aos pensamentos da personagem, que são apresentados em versos, rimados, que fazem com que eles gerem um fluxo de consciência em que raramente existem pausas para uma respiração maior, já que as rimas se encaixam umas nas outras.

Em outras palavras, o que na tela conseguimos pelo silêncio, nas páginas eu consigo - ou espero conseguir - por essa verborragia mental da Kassandra. Um outro aspecto que surgiu ao longo da coisa toda foi que, já que estamos lidando com a visão da Kassie sobre os fatos, e estamos tratando com uma garota com sérias perturbações mentais, eu achei que poderia ser interessante materializar os sentimentos dela enquanto grafismos, enquanto distorções visuais que dialogam com o que ela sente a respeito dos outros e a respeito de si mesma. Isso, em algumas horas, nos leva à presença de criaturas disformes, monstruosas ou extremamente delicadas e etéreas, o que dá uma forma instável a praticamente todas as personagens.

Como que essa graphic novel se envolve com o universo do filme? Kassandra pode gerar mais obras artísticas para além do curta?

Roger: Quando fechamos o roteiro de Kassandra deixamos lacunas para gerar ruídos e interpretações, mas nunca pensamos que elas iriam tão longe. Ao longo das exibições, as pessoas trazem até nós teorias elaboradas, mirabolantes, estapafúrdias mas sempre muito ricas. O fato de eu ter escrito o roteiro não faz com que eu me torne imune a isso e algumas das minhas próprias visões sobre o filme foram mudando com o tempo. De certa forma, os quadrinhos estão aí para cristalizar as minhas interpretações pessoais e dar algumas respostas para algumas perguntas. É claro que, ao fazer isso, eu acabo criando outras lacunas e a coisa toda recomeça.

É a mesma história, mas a abordagem é diferente. Se Kassandra, o filme, se dá em uma terceira pessoa onisciente, Kassandra, os quadrinhos, acontecem no nível da primeira pessoa. É a versão da Kassie - a minha - sobre os fatos, ou pelo menos sobre o que ela pensa - eu penso - que são os fatos. Se outras obras podem nascer desse universo? Sempre. Por que não os diários do Terapeuta? Por que não um soft porn com os delírios sexuais do Vizinho? Talvez até o Homem Grande pudesse vir a se expressar de alguma forma. Basta alguém se dispor a realizar.

É verdade que a HQ começou porque tu tinhas dificuldade de se desvincular da Kassandra?

Roger: Sim. Apesar de eu ter sido acusado em público pelo diretor do filme de ser um criador relapso, houve dois momentos de envolvimento com a história toda. O primeiro, é claro, foi durante a escrita do roteiro. Depois, me afastei, e só retornei quando o filme já estava pronto. Foi quando eu conheci a Kassandra de verdade. A partir daí e, principalmente, por conta de todo o envolvimento com a história do filme em Gramado e com todas as outras exibições que se seguiram, e de tanto discutir, debater e conjecturar com as pessoas, sobre as lacunas que mencionei, e de começar a brincar graficamente com as imagens do filme para os splashes, sobre os quais eu também já falei, eu me apeguei muito à Kassie - ao ponto de começar a chamá-la por esse apelido. E é fácil se apegar a ela, principalmente quando você tem uma predisposição a se interessar por garotas doidas e malvadas em preto e branco. Kassie, ao seu modo, é herdeira de toda uma linhagem de femmes fatales do cinema. Eu adoro femmes fatales.

E, para finalizar, eu só queria deixar uma pequena provocação: o final da história em quadrinhos é diferente.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Uma análise psicológica de Kassandra

O texto a seguir é de autoria da psicóloga Manuela Marques, que assistiu ao curta no Ipsi In Cine, em Novo Hamburgo/RS. É uma análise de Kassandra sob o ponto de vista da psicologia.

O texto contêm alguns spoilers, então aconselhamos para quem já assistiu ao filme. 



Minhas impressões sobre Kassandra

********AVISO: Contém Spoilers!***********

No dia 8 de maio, finalmente consegui assistir o curta Kassandra, do diretor Ulisses Da Motta Costa, no Ipsi in Cine, evento cultural do Instituto de Psicologia de Novo Hamburgo (IPSI), o qual tive igualmente o imenso prazer de ajudar a organizar. É impossível não se remeter, num primeiro momento ao brilhante e mais conhecido filme de Hitchcock, o clássico Psicose, afinal se trata de um suspense em preto e branco, com cortes rápidos que capturam o olhar com eficiência tamanha, que sentimos medo de piscar para não perder nenhum detalhe. No entanto, no decorrer da trama, abandonamos tais semelhanças e o expectador se sente jogado para dentro do enredo, como uma espécie de testemunha oculta. 

Kassandra é introduzida através da interlocução de um terapeuta como uma paciente que sofre diversas pertubações psicológicas, que remetem em sua forma sintomática para além do espectro autista à figura de um bebê: não fala, se alimenta basicamente de leite, além da composição infantilizada a qual se apresenta, com brinquedos e vestimentas que retomam uma criança pequena. O olhar caleidoscópico de Renata Stein, que deu vida à personagem, é um dos pontos brilhantes de sua atuação, capaz de envolver, mobilizar, aterrorizar e emocionar o público sem emitir uma única palavra. 

A ambivalência entre agressividade e desproteção, sexualidade e infantilização, mutismo e comunicação se fazem presentes o tempo inteiro, como em uma das cenas onde um canário preso em uma gaiola fica fortemente amedrontado com a presença dela, ainda que seus movimentos sejam suaves e aparentemente pacíficos. São diversos os detalhes simbólicos que provocam a mente, convocando-nos a encontrar uma linha mestra e lógica para entender o que afinal se passa com Kassandra ou antever o final da história, muito embora o final não nos traga respostas concretas. Pelo contrário: é preciso um extenso período de digestão para darmos ao filme a interpretação que quisermos. Na discussão que tivemos no evento, o próprio diretor Ulisses não nos deu respostas, afirmando que ele mesmo não as tem. 



É isto uma das coisas que torna o filme tão interessante e o faz sair do lugar comum, a amplitude de interpretações que ele permite, como a arte em seu estado mais puro. Inúmeras vezes durante a trama, me veio à mente o conceito bioniano de “Terror sem Nome”, que na minha modesta opinião parece traduzir a falta de voz, de cor e de explicações concretas. Para Bion, um dos grandes gênios teóricos psicanalíticos, o "Terror sem Nome" estaria relacionado a um estágio pré-verbal, advindo de experiências infantis de caráter traumático, adquiridas sem a menor possibilidade de racionalização, que não puderam ser convertidas em palavras, em fala. Mediante a atemporalidade que caracteriza o inconsciente, na vida adulta, tais aspectos que foram lançados e permanecem inconscientemente armazenados de maneira caótica, retornam para aterrorizar o sujeito, como um bloco imenso de angústia, de caráter inominável. 

O filme, ainda que de maneira não intencional, retrata de forma belíssima este estado descrito na literatura psicanalítica. A cena em que particularmente me emocionou, é a em que ela telefona para sua mãe, e como não pode falar, se comunica arranhando o telefone para responder “sim” ou “não”. O abandono e descaso da mãe na cena, o imenso desamparo estampado nos olhos da personagem, o silêncio da cena ao desligar, a falta de cor, petrificam o olhar. Um abandono que se pode inferir que não se trata do primeiro, para que ela tenha chegado àquele estado psíquico. Ali, ao menos no que tange a minha interpretação pessoal, temos uma pista de um assassinato real. Talvez o único que realmente existiu, uma vez que a cena onde um assassinato ocorre concretamente deixa dúvidas quanto à sua legitimidade, por não sabermos se tratar de um acontecimento real ou alucinado pela personagem, enquanto a cena do telefone nos transforma em testemunhas oculares de um assassinato psíquico. 

Concluo a minha crítica ao filme Kassandra sem traçar conclusões nem apresentar respostas, fazendo justiça a este curta que de forma tão generosa nos permite refletir e perguntar mais do que concluir e responder. Ou como diria Bion, sobre os conteúdos entregues sem o menor esforço no que tange a construção do pensamento, “a resposta é o infortúnio da pergunta”. A única coisa que é impossível não afirmar sobre ele é que sem a menor sombra de dúvidas, é um filme que realmente merece ser assistido.

Manuela Marques é psicóloga clínica

terça-feira, 3 de junho de 2014

Kassandra em Canela!

Mais uma cidade do Rio Grande do Sul vai ter a chance de ver Kassandra. Desta vez é Canela, na Serra Gaúcha.

O curta será exibido no Magnólia Cine Bistrô Bar, nesta quinta (dia 5 de junho) às 19h30. O espaço tem uma sala de cinema, o Cine Ideal, e a entrada é franca. Após a sessão, haverá um debate com o diretor Ulisses da Motta Costa e o ator Leandro Lefa (e, quem sabe, um convidado surpresa).

O Magnólia fica na Rua Dona Carlinda, 255, centro de Canela. Mais informações aqui.

Sessão em SÃO PAULO: Bom lembrar também que esta semana Kassandra participa de mais uma sessão da 13a Mostra do Filme Livre, desta vez em São Paulo. Será a primeira projeção do filme na capital paulista e acontece no Centro Cultural Banco do Brasil, nesta sexta (dia 6), às 15h30. A entrada é franca.

Em breve, mais novidades!